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    CRÍTICA – Amerikatsi celebra a resiliente cultura armênia em história emocionante

    Amerikatsi é o novo filme do diretor e roteirista Michael A. Goorjian, conhecido por seu trabalho na direção de Ilusões: O Que Você Faz na Vida Afeta os Outros (2004), protagonizado Kirk Douglas. Nessa nova produção dramática, Goorjian também é o ator principal.

    A obra é a representante oficial da Armênia na corrida por uma indicação ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Filme Internacional e atualmente está entre os 15 selecionados na shortlist. O longa-metragem conta com Serj Tankian, vocalista do System of a Down, como um dos produtores executivos.

    Confira a crítica sem spoilers de Amerikatsi logo após a sinopse oficial.

    Sinopse de Amerikatsi

    Charlie (Michael A. Goorjian) escapa do genocídio armênio ainda menino, fugindo para os Estados Unidos, mas retorna adulto e é preso. Ele observa um casal armênio de sua cela na prisão, finalmente aprendendo sobre sua terra natal.

    Análise

    Amerikatsi começa contextualizando rapidamente como Charlie escapou do genocídio armênio iniciado pelo Império Turco-Otomano em 1915, realidade que durou até 1923 e dizimou não apenas armênios, como também assírios e gregos. Tão logo a cena é exibida, o lettering explica que a história se passa 30 anos após a fuga.

    O contexto três décadas depois é diferente, mas ainda sob um regime totalitário. Dessa vez, a União Soviética está no comando da Armênia. Sob o pretexto de ajudar a reconstruir o país, Josef Stalin anuncia que o governo comunista está pagando os armênios para voltarem à sua terra natal e ajudarem a reconstrui-la.

    É nessa realidade que Charlie Bakhchinyan, um dos milhares de armênios repatriados da época, retorna ao seu país de origem em 1948. A diferença é que ele é um dos poucos armênio-americanos que decidem regressar, e ter vivido nos Estados Unidos é um crime aos olhos do totalitarismo comunista.

    Por esse motivo ele é constantemente chamado de amerikatsi, que em russo significa americano, ou ainda de Charlie Chaplin.

    A trama do filme se baseia justamente na história real de um desses armênio-americanos.

    O tom inicial é de irreverência para mostrar as dificuldades enfrentadas por Charlie, especialmente por não falar armênio, nem russo. Os ares de comédia logo dão espaço para uma atmosfera mais pesada por conta da vida na prisão, mas ainda há momentos de alívio e um pouco de graça mesmo nessa condição.

    Muito além de ajudar a reconstruir a Armênia, o objetivo de Charlie era um só: conectar-se com a sua cultura natal.

    A realidade do protagonista é a de muitas pessoas nascidas na Armênia e que precisaram fugir em diferentes momentos históricos para sobreviver, como durante o genocídio ou a vigência do comunismo. O mesmo vale para seus descendentes.

    Amerikatsi é o filme indicado pela Armênia para tentar uma vaga no Oscar 2024 e tem Serj Tankian, vocalista do System of a Down, como produtor executivo
    Créditos: Variance Films / Divulgação

    É nesse contexto que a história do homem vivido por Goorjian se torna universal. O diretor é muito exitoso ao executar isso de uma forma com que qualquer pessoa possa se conectar com o drama e, principalmente, a tensão gerada pelo choque cultural.

    Esse choque acontece não apenas porque Charlie não tem vínculo com suas raízes, como também porque os soviéticos impuseram sua própria cultura e desdenham das crenças e costumes locais, além de considerar crime toda e qualquer manifestação cultural, religiosa ou que consideram propaganda imperialista.

    Protagonismo de Goorjian bem sustentado pelos coadjuvantes

    Atuar ao mesmo tempo em que se dirige um filme deve ser um desafio e tanto. Goorjian se sai muito bem nessas tarefas e ainda aproveita as vantagens de fazer um papel quádruplo, pois também foi o roteirista e participou da montagem da produção.

    Ele conseguiu captar bem o que queria transmitir em seus momentos em tela, assim como contribuiu para que a montagem fosse bem equilibrada entre simbolismos e narrativa, fazendo com que toda a condução da obra de 2h1min seja agradável.

    Seu personagem Charlie é a alma do filme, mas seu destaque se deve também as ótimas atuações de todo o elenco. Os destaques mais positivos vão para a atriz Nelli Uvarova (que interpreta Sona Petrova, esposa do oficial soviético Dmitry Petrov), Hovik Keuchkerian (intérprete do guarda Tigran), e o ator Trdat Makaryan (que dá vida ao irreverente carcereiro Poghosyan).

    O encanto de Amerikatsi está nos detalhes

    O roteiro de Goorjian insere muito bem curiosidades para levar a cultura e a história da Armênia ao mundo todo. Informações como o país ter sido a primeira nação do mundo a adotar o cristianismo como religião, ou ainda menções à criação da cerveja, do vinho e do tapete ter sido responsabilidade do povo armênio… Tudo isso está presente de modo muito natural.

    E com a mesma naturalidade está o fato de que o mundo desconhece essas informações. Ou, nos dizeres de um prisioneiro, simplesmente não se importa. Isso acontece graças ao choque cultural entre Charlie e os demais prisioneiros que falam armênio, reforçando essa percepção.

    De modo menos explícito estão muitos outros simbolismos. A direção de fotografia utiliza ótimos enquadramentos para passar mensagens sutis, especialmente sobre viver numa prisão, mesmo que nem todo o povo armênio seja literalmente prisioneiro.

    A arte também é muito presente em Amerikatsi, sendo essencial para a condução de uma narrativa coesa e emocionante. As manifestações artísticas exibidas no filme mostram que nem mesmo o totalitarismo pode tirar a esperança do povo, bem como não impedirá as pessoas de estarem próximas e se comunicarem.

    O poder da música também é um elemento fundamental para a narrativa, que tem em seu quarto final os momentos mais emocionantes e intensos, e evidenciam que resiliência é uma característica do povo armênio ao longo de toda sua história.

    Veredito

    Amerikatsi mostra que uma história pessoal um tanto fora da curva é capaz de gerar uma conexão universal com quem está assistindo. Os simbolismos trazidos pelo diretor Goorjian são eficientes para fazer a audiência refletir sobre seus significados e conhecer mais sobre a cultura e a história da Armênia, mesmo sendo uma produção inspirada nas vivências de um repatriado pós Segunda Guerra Mundial.

    Nossa nota

    4,5 / 5,0

    Assista ao trailer de Amerikatsi:

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