Atmosfera (2023) é um filme de fantasia e suspense psicológico que foi exibido em uma sessão comentada com o diretor Paulo Caldas no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa) na sua edição de 2024. No elenco estão João Miguel, Zezita Matos e Milhem Cortaz.
Sinopse de Atmosfera
Edmundo vive isolado no meio da natureza, caseiro de um sítio em São Paulo. A presença da sua mãe assombra-o com poesias e memórias do sertão onde nasceu. A linha tênue entre a lembrança e o delírio leva Edmundo a um mergulho no fantástico. Ao se deparar com a morte, o caseiro-poeta busca dar significado à vida.
Análise
A pandemia da Covid-19 ainda permeia o cotidiano brasileiro, deixando marcas profundas em toda a sociedade. Nesse contexto, a arte cinematográfica emerge como uma forma de expressar como lidamos com os horrores dessa doença que assolou o mundo.
Atmosfera, filme no qual o diretor Paulo Caldas explora pela primeira vez o mundo da fantasia e do irreal, torna-se uma janela para o vazio deixado pela pandemia, onde os sentimentos de perda e solidão são amplificados por meio de um simples caseiro.
O filme é, antes de tudo, um estudo de personagem. Edmundo, interpretado pelo talentoso João Miguel, cuida de uma casa em um sítio no interior de São Paulo ao lado de sua mãe, vivida por Zezita Matos. A relação entre os dois é intensa, materna e repleta de poesia; enquanto recitam versos um para o outro, percebemos que Edmundo tem um apego existencial à figura materna. Isolado do mundo, o caseiro se comunica com seus patrões que vivem na Alemanha através de um telefone situado no alto de uma árvore.
O que mais impressiona em Atmosfera é sua falta de linearidade. O filme de Caldas não busca mastigar o enredo para o público, utilizando esse recurso para criar uma narrativa contemplativa.
Quando a mãe de Edmundo falece, ele passa a ver a figura de um homem, interpretado pelo excelente Milhem Cortaz, nas mais diversas representações: seja como a voz que sai do rádio, um cigano, um pescador, um policial e até mesmo o diabo. Entre delírios e momentos de lucidez, Edmundo precisa enfrentar o luto, o que implica questionar a si mesmo, sua forma de vida e o futuro que se apresenta à sua frente.
Para todos que vivenciaram a pandemia, Atmosfera parece uma memória tangível, e Edmundo assemelha-se ao que todos nós éramos naquele momento: um tanto desolados pelas perdas e solidão, um tanto esperançosos pela vida.
Compreender o luto é um processo lento e difícil, mas Caldas realiza isso de forma magistral em seu filme, proporcionando espaço para sentir, refletir e esperar. Assim como a produção adentra as profundezas do sofrimento humano para explicar como nos sentimos um pouco como Edmundo, a poesia surge como um bálsamo, um convite para lembrarmos que dias melhores são possíveis.
Com uma direção muito mais focada na experiência do que na construção de sentido, Atmosfera é uma jornada pela memória e psique de um personagem em sofrimento. Ainda há espaço para questionar a realidade de Edmundo, se de fato ele está vivenciando tudo aquilo ou somente imaginando, desde o abandono dos patrões à perda da mãe, Edmundo se ressente, mas nunca abandona suas origens.
O que torna tudo ainda mais fantástico é como Caldas transmite isso para a tela, com cenas que flertam com o irreal e criam diálogos e imagens imersivas. É gratificante testemunhar o cinema brasileiro criando narrativas complexas através do gênero fantástico, incorporando a identidade do povo brasileiro em sua construção.
Veredito
Atmosfera tece uma narrativa poética e envolvente que ressoa com as emoções daqueles que enfrentaram os desafios da pandemia. Com performances poderosas de João Miguel e Milhem Cortaz, o filme nos leva a uma jornada através do luto, da solidão e da esperança. Paulo Caldas é excepcional ao criar uma clima de mistério e reflexão, enquanto explora temas universais com uma sensibilidade única.
4,0 / 5,0
Assista ao trailer: