Ao longo dos anos, criou-se um estigma quando o assunto é adaptação de videogame para outros formatos, seja no cinema ou na televisão. Essa aversão gerou um incômodo social e até um olhar mais crítico quando os grandes estúdios se propuseram a comprar e contar essas histórias. Não foi diferente com a primeira temporada de The Last of Us, a série adaptada do famoso jogo criado por Neil Druckmann e desenvolvido pela Naughty Dog, rapidamente caiu nas graças do público por sua fidelidade à trama original. A segunda temporada, no entanto, chega carregando expectativas altas e entrega algo mais amargo que impactante.
Enquanto espectadores, somos levados por um caminho tortuoso. Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) estão afastados, como se algo não dito pairasse no ar toda vez que eles trocam olhares duvidosos. A relação conturbada é entendida logo de início.
Joel mentiu para Ellie a fim de protegê-la, dizimando várias pessoas por acreditar que Ellie não merecia ser sacrificada em prol da humanidade. A situação cria uma instabilidade emocional em ambos os personagens, com Joel não sabendo como expressar seus sentimentos e Ellie se retraindo cada vez mais.
É um começo promissor que coloca em dúvida as relações dos personagens, será que eles vão superar isso? É uma pergunta que fica sem resposta, depois que Joel é brutalmente assassinado por Abby (Kaitlyn Dever), esta que está em busca de vingança pelo seu pai, uma das pessoas que Joel matou no hospital. Ellie assiste, impotente, e jura vingança. A partir daqui, a narrativa passa a orbitar esse ciclo de ódio que consome tudo à volta. Abby e Ellie se tornam duas forças opostas, mas feitas do mesmo material: dor, trauma e uma busca obsessiva por justiça que, no fundo, é só desejo de punição.
De certo modo, entendemos que The Last of Us é mais que os infectados, é uma história genuína sobre a condição humana e até onde estamos dispostos a ir para proteger aqueles que amamos. Em um mundo onde o caos e violência parecem o certo, fica fácil entender as ações tanto do Joel, Ellie e Abby. Em certa maneira, eles foram moldados ou criados para isso. Essa premissa é extremamente importante para a história do segundo ato, mas acaba se perdendo quando a produção escolhe por enfraquecer alguns personagens.
O problema começa quando a série parece não confiar no próprio potencial dramático. Ellie, que no jogo é imprudente, impulsiva e intensamente autônoma, aparece aqui domesticada. Há uma clara escolha de suavizar sua jornada, de torná-la mais palatável. Mas por quê? Medo de torná-la vilã? Medo da rejeição do público? Ao tentar preservar sua imagem, a série enfraquece sua construção e mina o impacto emocional de suas decisões. Tommy (Gabriel Luna), em escala menor, também sofre com essa decisão, seu impacto poderia ser maior se houvesse mais tempo.
Se a produção falha em conferir potencialidade a personagens tão importantes, acerta em tornar a presença de Abby marcante. A antagonista até não precisava aparecer nesse primeiro momento da série, assim como é no jogo, mas sua presença traz um senso de contraponto.
Joel não é tudo aquilo que imaginávamos e Abby sabe disso. Seus atos vem do ressentimento, e ela mais que ninguém entende a gravidade de ações que não tem mais volta. Por isso escolhe matar Joel, por isso escolhe poupar Ellie.
É interessante como a série constantemente coloca seus personagens em conflito com os outros. Ellie e Jesse (Young Mazino) também compactuam de uma relação estremecida, sendo uma ótima oportunidade para podermos entender mais do personagem, já que no jogo sua participação é bem mais enxuta. Outro par importante dessa história é Dina (Isabela Merced) e Ellie que na série ganham mais nuances e uma paixão mais aflorada.
É fato que Isabela roubou a cena com sua Dina, uma garota irreverente, destemida e inteligente e que principalmente apoia Ellie acima de tudo. É uma construção profunda e intrínseca que gera ótimos momentos de ambas juntas, mas que também atrapalha quando a série precisa colocar Ellie como uma pessoa duvidosa.
Por fim, é admirável o empenho da segunda temporada de The Last of Us em construir o cenário e a atmosfera mais fiel ao jogo, tudo parece que foi impresso do material original. Desde a cidade de Jackson até a caracterização das faccções Logos e Serafitas, a um cuidado com a obra original que pouco se observa em outras adatações. Mas, de nada isso adianta sem uma história que empolgue o espectador. Por isso, o episódio da temporada que mais funciona é o sexto, no qual temos Ellie e Joel novamente, vivendo aventuras, fortificando sua relação e eventualmente magoando reciprocamente.
Greg Maizen e Druckmann, as cabeças por trás dessa produção, têm muito ainda o que refletir se quiserem tornar a serie tão épica quanto o game. Druckmann que criou os jogos, entende a grandeza de sua criação, mas de nada adianta se continuar ouvindo uma parte da comunidade que parece sempre querer reduzir seus personagens mais complexos.
Sendo assim, essa temporada fica em uma espécie de meio, não é péssima, mas também não é perfeita. Resta saber se é o bastante para convencer os fãs, tanto os que jogaram quanto os que estão aqui pela primeira vez.
Veredito

A segunda temporada de The Last of Us opta por suavizar sua intensidade para construir algo mais palatável e emocionalmente acessível. É uma escolha justa, mas que levanta uma questão: será que a série está com medo de abraçar por completo a brutalidade e a profundidade que tornaram o jogo inesquecível? No fim das contas, a temporada funciona, mas com a estranha sensação de que está se esquivando do seu próprio potencial.
3.8/5.0
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